Confira lista com 5 absurdos do seguro obrigatório DPVAT
Recebemos dezenas e dezenas de dúvidas sobre o seguro DPVAT todos os dias em nossos canais. Por muito tempo refleti se deveria ou não fazer este post, mas hoje acordei de pé virado e resolvi soltar o verbo depois de ler o relato de um visitante que, feitos os cálculos de indenização por invalidez parcial permanente, recebeu seus míseros 400 reais para seguir com sua vida.
Espero contribuir com o debate deste seguro que somente no 1º semestre de 2017 pagou R$ 841.641.862,71 em indenizações e reembolsos.
Antes de começar
Antes de começar, que fique claro: Considero a função social do DPVAT muito importante. O intuito do post não é questionar esta função social, mas sim mostrar 05 pontos absurdos que fazem com que esta função social não seja efetivamente realizada e, no fim, a proteção garantida pelo DPVAT seja ínfima e ineficiente.
E que função social é esta?
O DPVAT é um seguro obrigatório que todos proprietários de veículos automotores terrestres devem pagar anualmente. Ele garante que pessoas que sofram acidentes de trânsito com estes veículos terão indenização por morte ou invalidez permanente e reembolso de despesas médico-hospitalares.
Essas garantias são dadas independente de a pessoa ser vítima ou causador no acidente e, com isso, busca ajudar o indivíduo e sua família a repor parte dos prejuízos ao se ferir em acidente de trânsito.
Como o Brasil tem altíssimas taxas de acidentes de trânsito com vítimas, é uma garantia importante para tentar minimizar os efeitos da violência no trânsito.
A intenção é boa. A aplicação questionável. Abaixo levantei 5 pontos de por que penso desta maneira.
Absurdo nº 1
Mudança no teto de garantia em 2007
A Lei 6.174 foi criada em 1974 para dizer como funciona o DPVAT. Dentre essas regras estava o teto (ou limites) de indenização e reembolso previstos no Art. 3º:
Art. 3º Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no artigo 2º compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares, nos valores que se seguem, por pessoa vitimada:
a) – 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País – no caso de morte;
b) – Até 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País – no caso de invalidez permanente;
c) – Até 8 (oito) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País – como reembolso à vítima – no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas.(Lei 6.174/1974, antes da revogação pela Lei 11.482/2005)
Veja que o teto de indenização e reembolso eram estipulados dados em múltiplos do salário mínimo. Em 2007 essa regra muda com a Lei 11.482 que revoga o antigo artigo 3º passando a valer o seguinte:
“Art. 3º Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares, nos valores que se seguem, por pessoa vitimada:
a) (revogada);
b) (revogada);
c) (revogada);
I – R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) – no caso de morte;
II – até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) – no caso de invalidez permanente; e
III – até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) – como reembolso à vítima – no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas.” (NR)
(Lei 11.482/2007, que revoga art. 3º da Lei 6.174/1974)
Mudou-se o teto dado pelo múltiplo de salários mínimos para um valor absoluto.
No mesmo ano de 2007, quando foi feita a mudança, isso representou uma queda de 11,2% do valor de indenização e reembolso. Nos anos subsequentes, com os ajustes do salário mínimo, essa diferença só cresceu, 10 anos depois (hoje, em 2017) chegando a representar uma diferença de 64%. No modelo anterior o teto de indenização hoje seria de 37.480 reais e de reembolso de 7.496 reais, enquanto na verdade é de 13.500 e 2.700 reais respectivamente. Ver Tabela 1 e Tabela 3 (1ª coluna) abaixo.
O que isso quer dizer? A mudança em 2007 causou uma queda no valor máximo já no ano da mudança. Não só isso, mas ao estipular um teto em valor fixo criou distorções temporais ainda maiores, chegando a uma diferença de absurdos 64% atualmente.
Absurdo nº 2
Não tem índice de correção monetária desde 2007
Não queremos dizer que o DPVAT deveria necessariamente manter o modelo de teto previsto na lei de 1974, atrelando a indenização e reembolso ao nível do salário mínimo. Parece um modelo inteligente, já que vincula valor de indenização a nível de renda (critério comum nos seguros de vida privados). Porém não temos estudos para saber se aquele modelo era ou ainda é o mais eficiente.
Então vamos assumir, apenas para um esforço de análise, que a mudança feita em 2007 seria uma proposta alternativa igualmente válida: estipular um valor fixo ao invés de atrelar ao salário mínimo.
Não haveria problemas numa primeira análise se não fosse pelo fato (abismalmente ridículo) de que a lei que institui o valor fixo para o teto, não prevê índice de correção monetário anual!
Se fosse usado o IPCA como índice de correção monetária desde 2007, o teto de indenização por morte e invalidez permanente de 13.500 reais e o de reembolso de 2.700 reais hoje (2017) chegariam a 24.646,78 e 4.929,36 respectivamente. Ou seja, seria 83% maior – quase o dobro.
O que isso significa? Estipular um teto de valor fixo, sem índice de correção monetária, significa que necessariamente a inflação irá corroer a cada ano o valor deste teto. A cada ano que passa, essa indenização vale menos e menos pois é corroída pela inflação. O beneficiário (pessoa que recebe a indenização) está sendo penalizado e, no limite, transferindo parte de seus direitos para a empresa que paga essa indenização de valor não corrigido.
Falando nessa empresa…
Absurdo nº 3
Obrigatoriedade vinculada a um monopólio
Já vimos que lei mudou de um modelo para outro pior para o cidadão. Neste novo modelo pior, optou por piorar ainda mais não instituindo um índice de correção monetária, penalizando novamente o cidadão beneficiário do DPVAT.
Esta mesma lei que estipula este péssimo modelo também determina que o seguro obrigatório é administrado por uma única empresa. Isso significa que a lei cria forçosamente um mercado (ao obrigar todos a ter o seguro DPVAT) e vincula esta obrigatoriedade a um monopólio.
Para o absurdo desta situação ser mais perceptivo vamos fazer um exercício mental.
Imagine que uma cidade sofre uma epidemia de uma nova gripe, a “gripe do pé descalço”. Sempre que as pessoas andam de pé descalço, elas pegam esta gripe altamente mortal. Observando este cenário crítico, a prefeitura baixa uma lei dizendo que todos devem, obrigatoriamente, usar sapatos todos o dias, todo o tempo. Mas nessa mesma lei, essa prefeitura diz que o sapato só pode ser comprado de um único fornecedor, escolhido por ela. E que uma vez comprado este sapato, você nunca mais poderá comprar outro sapato. Você terá que usar este sapato todos os dias, todos os anos, ainda que ele vá desgastando com o tempo, até virar um trapo que não vale nada.
O que isso significa? Trocando as figuras do nosso exercício mental pela realidade do DPVAT ocorre o seguinte. O Estado percebe que a violência no trânsito brasileiro deixa milhares de vítimas todos os anos, parte por culpa de motoristas irresponsáveis, mas parte por péssima gestão de rodovias e vias, falta de fiscalização eficiente e efetiva (enforcement). Percebendo sua incapacidade de reduzir rapidamente o número desses acidentes, o Estado conclui que o seguro de acidentes pessoais é uma boa maneira de ajudar a minimizar os prejuízos dessas tragédias anunciadas. Então ele cria uma lei obrigando todos a terem esse seguro e consumir isto de uma empresa escolhida por… ele… com valores fixos escolhidos por… ele… sem índice de correção monetária anual.
É certo que o seguro DPVAT não impede que o consumidor vá ao mercado e busque outras alternativas particulares para se proteger. Mas isso só reforça o absurdo do monopólio, como mostramos no próximo ponto.
Absurdo nº 4
Preço ridiculamente alto para uma cobertura absurdamente baixa
O valor do seguro DPVAT para o próximo ano de 2018 será de R$ 105,65 para carros particulares. Os valores variam para ônibus, motos etc. Mas vamos usar este valor como referência.
Isso significa que para um carro de quatro rodas, uma cobertura de 13.500 reais de morte ou invalidez permanente + 2.700 reais de reembolso de despesas médico-hospitalares custa 105,65 reais.
No mercado de seguros privados, o consumidor encontra cobertura de 50.000 reais para morte ou invalidez permanente + 5.000 reais de reembolso de despesas médico-hospitalares por 100,64 reais.
Por praticamente o mesmo preço, no mercado o consumidor encontraria uma cobertura 170% maior.
O que isso significa? A lei institui um seguro obrigatório, de garantias ridiculamente baixas e sem correção inflacionária junto a um monopólio, tirando a opção de escolha do cidadão e… cobra absurdamente caro por isso.
Absurdo nº 5
Mercado negro do DPVAT
O monopólio tem ainda outras consequências pérfidas. Ao que chegamos no absurdo nº 5.
A falta de possibilidade de escolha pelo consumidor ao contratar o DPVAT criou um “mercado negro” em torno do seguro obrigatório: existem dezenas de pseudo-profissionais não habilitados que encontraram no DPVAT um meio de vida, oferecendo serviços de “facilitadores” para que a pessoa consiga receber as indenizações e reembolso. E, em troca deste serviço, lhe repassam parte da indenização ou reembolso que receberiam.
A própria seguradora do monopólio do DPVAT tem feito esforços de conscientização da população para não usar trabalho de intermediários para recebimento de indenizações e reembolsos, e sim buscar os postos autorizados do DPVAT.
Contudo a existência de um “mercado negro” altamente difundido em torno do DPVAT evidencia apenas uma enorme carência de um mercado concorrencial no qual o consumidor pudesse escolher uma seguradora e corretor de sua confiança e, assim, não cair em armadilhas por falta de informação e transparência.