Nossa visitante Kelly nos enviou a seguinte questão:
” Boa tarde, acabei de conhecer seu site e gostei muito! Parabéns e obrigada pelo conteúdo disponibilizado. Estou estudando um pouco sobre seguros e gostaria de saber se o condutor principal, não sendo o proprietário do veículo, tem legitimidade para propor ação contra a seguradora. Obrigada! “
Confira nossa resposta:
Olá Kelly, tudo bom?
Muito obrigada pelo elogio! Nos alegra receber mensagens assim! :)
Duas observações antes de respondermos sua questão: 1) Atuamos na área técnica de seguros, por isso damos apenas opinião sobre informações de natureza jurídica. Para uma orientação mais adequada é sempre importante consultar um advogado da área; 2) Esse é um daqueles assuntos sem uma resposta binária: “sim” ou “não”, por isso vou explorar alguns exemplos para colocar meu ponto de vista.
A apólice de seguro de automóvel estabelece um vínculo contratual entre a seguradora e o segurado. Para isso é necessário que o contratante/segurado tenha um interesse segurado justificado: no caso, danos materiais ligados a um veículo de sua propriedade (colisão, roubo, furto etc.) e danos a terceiros (materiais, corporais, morais) causados por esse veículo a terceiros uma vez que ele é de sua responsabilidade.
A figura do condutor principal existe no Questionário de Avaliação de Risco (QAR) sendo um dos dados utilizados pela seguradora para análise e taxação do risco – ou seja, para 1) dizer se aceita ou não o seguro e 2) precificar aquele seguro.
Ainda que o principal condutor apareça nomeado no QAR, o contrato estabelece direitos e deveres entre seguradora e segurado. O principal condutor participa desse contrato apenas para efeitos do QAR.
Por isso, entendo que o condutor principal não tem parte no contrato e dificilmente se justifica que ele demande alguma garantia contratual dali sem com isso envolver o segurado. Entendo que qualquer demanda com relação ao contrato de seguro requeira anuência do segurado, que deverá participar da ação judicial com o principal condutor.
Mesmo que com anuência do segurado, entendo também que o principal condutor deve compartilhar de alguma forma o interesse segurável com o segurado. Quando é proprietário do veículo, esse interesse é bastante claro. Mas não precisa necessariamente ser proprietário para participar do interesse: se ele dirige um carro que não é seu e se envolve numa colisão, passa a ter interesse se for demandado dos prejuízos da ocorrência.
Vou explorar alguns exemplos para retratar meus pontos:
Exemplo 1:
Segurado “S” e principal condutor “C” são pessoas diferentes. C dirigia quando se envolveu em uma colisão com Maria pela qual se considerou responsável. S não concorda que C tenha sido responsável e por isso não quer acionar cobertura de terceiros do seu seguro para Maria (terceiro).
É necessário que S e C entrem num acordo. Se S mantiver sua negativa, C precisará arcar com os danos ao terceiro por conta própria, ainda que o seguro de S tenha cobertura de terceiros. Dificilmente C conseguirá mover uma ação contra a seguradora já que não foi ela quem negou cobertura e sim S quem não concordava em usar seu contrato de seguro para C.
Ainda que C apareça no contrato como principal condutor do Questionário de Avaliação de Risco, ele não tem poder de decisão.
Veja que esse exemplo independe de C ser proprietário ou não do veículo segurado.
Exemplo 2:
Agora, imagine que no Exemplo 1, S tenha concordado com C em acionar a cobertura de terceiros para Maria (terceiro). Ou seja, eles concordaram que C foi responsável e acionam o seguro com anuência de S.
Na análise do sinistro, a seguradora (e não S) entende que C não foi culpado pela colisão e nega cobertura à Maria.
Se Maria não concordar e se julgar vítima, ela poderá procurar reaver seu prejuízos na Justiça. Ela poderá fazer isso de várias formas:
- Citar como réu somente C, já que ele estava no carro no momento da colisão
- Citar como réus C (motivo 1) e também S por saber que ele tem seguro do veículo segurado envolvido na colisão
- Citar como réusC e S (motivos 1 e 2) e a seguradora por saber que a negativa de garantia de cobertura veio da seguradora
Em quaisquer dos casos acima, C poderá trazer à lide a seguradora e S (na medida em que S concorda com ele).
Temos um vídeo bem bacana sobre como funciona o seguro de responsabilidade civil facultativa de veículos (RCF-V) num processo movido pelo terceiro. Você pode assistir aqui.
Veja que também nesse exemplo o fato de C ser ou não proprietário do veículo segurado não influencia.
Acho que com essas informações dê para ter um norte. Mas deixo o espaço de comentários aberto para debate e opiniões ;)